3 de agosto de 2008

Entrevista com o prof. José Luis Barros Silva

Entrevista com o prof. Dr. José Luis de Paula Barros Silva



Você vem de uma área considerada a mais “dura” da Química, que é a Físico-Química. Como e por que você começou a se interessar e trabalhar na área de Ensino de Química?

A físico-química me atrai pela estrutura teórica que possibilita a construção de explicações dos fenômenos materiais. Por outro lado, o ensino me atraiu desde muito cedo, pelo prazer de explicar. Comecei a ministrar aulas de reforço escolar aos quatorze anos e não parei mais. De fato, ao me voltar para o ensino de química não me afastei da físico-química, não só porque sou professor dessa matéria, mas também porque minhas pesquisas em ensino e aprendizagem estão voltadas para os conceitos químicos, o que me traz, sempre e sempre às formulações conceituais físico-químicas. Para ensinar é preciso compreender antes e construir uma nova explicação, para aqueles que sabem menos. Acho que o ensino de química acabou dominando minha pesquisa porque o processo de elaborar explicações didáticas é um desafio intelectual muito gratificante quando dá certo, ou seja: quando ajuda alguém a compreender.


Quais são as suas principais preocupações relacionadas à área? No que você mais investe ao estudar sobre os problemas do ensino de Química nas escolas e/ou universidades?

Interesso-me pela estrutura teórico-conceitual da química, os significados dos termos químicos (e físico-químicos), as relações entre os conceitos, a construção das explicações nos níveis macro e microscópico e como tudo isso pode ser ensinado, do nível fundamental ao superior.


No Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, onde também leciona e é, atualmente, o coordenador, você costuma ministrar disciplinas relacionadas com teorias de ensino-aprendizagem. Qual ou quais você considera mais adequada(s) para a compreensão dos processos e a aplicação no ensino da Química?

Eu tenho trabalhado com a Teoria da Aprendizagem Significativa há algum tempo, porque tem satisfeito minhas expectativas ao aplicá-la em condições reais de sala de aula. Entretanto, mais recentemente, senti necessidade de entender o processo da produção de significado de um modo mais detalhado, o que essa teoria não alcança. Então, tenho estudado a formação de conceitos segundo Vigotski e pretendo estudar outros autores para dar conta dessa necessidade. Com isso quero dizer que os alcances e limites das teorias é que as tornam adequadas aos problemas que pretendemos resolver. Não há como decidir por uma teoria antes de definir o problema de estudo.


Com relação à formação do professor de Química, como você acha que deve ser? Acha que os modelos que vemos nas universidades atualmente estão no caminho certo? Falta alguma coisa?

A formação do professor de química tem sido objeto de minhas preocupações há alguns anos. Creio que as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica (parecer CNE/CP 009/2001) foi um avanço em relação ao sistema 3 + 1, que considera o licenciado em química como um químico com domínio da “arte de ensinar tudo a todos”. Esse tipo de formação, preponderante nas universidades, salvo algumas exceções, não tem funcionado bem. O Núcleo de Pesquisa em Ensino de Química da Ufba tem centrado a discussão e os esforços na articulação da Educação com a Química durante o processo de formação, seja ela inicial ou continuada, porque entendemos que este é um ponto fulcral. Nesse sentido, intervimos no currículo da Licenciatura em Química e introduzimos quatro novos eixos de discussão: o ensino de química como práxis; a história e a epistemologia como próprias do ensino de química; o papel da experimentação no ensino de química; a contextualização no ensino de química. O currículo está em implantação e, daqui a alguns anos, poderemos ter uma avaliação dos resultados. Uma primeira versão do texto onde discutimos esses pontos encontra-se em http:www.sbq.org.br/30ra/worshop.php
. A versão final do artigo deverá ser publicada ainda este ano.


Como um dos fundadores do EDUQUI, como você vê o evento atualmente e o que espera para o futuro? Você acha que o EDUQUI está alcançando seus objetivos? Quais seriam esses objetivos?

O Eduqui tem cumprido o papel de ser momento e lugar de encontro e troca de experiências de professores de química e pesquisadores de ensino de química. A cada Eduqui eu vejo os participantes entusiasmados e ouço comentários elogiosos ao evento. Mas eu gostaria que houvesse mais continuidade das atividades nos intervalos dos congressos para funcionar como um projeto de formação permanente de professores-pesquisadores. Para tanto precisamos de mais pessoal qualificado para dar conta desse projeto. Penso que à medida que formarmos mais pesquisadores em ensino de química na Bahia poderemos avançar nessa direção.


Você está desenvolvendo algum projeto no momento?

Estou desenvolvendo vários projetos em colaboração com colegas, relativos ao ensino e à aprendizagem de conceitos químicos. Temos trabalhado na investigação dos conceitos estruturadores do pensamento químico, buscando elucidar a elaboração histórica de seus significados; na discussão dos conceitos químicos adequados ao nível fundamental de ensino e em como ensiná-los; na formação inicial de professores, conforme comentei acima; no ensino de conceitos específicos, em nível médio e superior.


Este blog é direcionado ao professor de Química e a licenciandos em Química. Alunos do Ensino Fundamental e Médio que estudam Química também passam por aqui, mas acho que os maiores beneficiados pelo blog são mesmo os professores e futuros professores. Então, gostaria que você deixasse alguma mensagem para esses nossos colegas que passam por tantas dificuldades e às vezes acham que nada pode melhorar.

Parece-me que a causa maior da desmotivação dos professores é a falta de reconhecimento da importância social do seu trabalho, mais visível através do baixo salário. Para atacar esse problema é necessária uma organização coletiva para lutar pelas melhorias. O piso salarial nacional que está para ser oficializado pode ser uma ajuda. Quanto ao trabalho propriamente dito, há que se lutar por melhores condições das instalações escolares, por tempo para estudar. Acho que a formação de grupos de estudo formados por professores da educação básica, da educação superior e estudantes de graduação pode ser um modo de incentivar e melhorar o trabalho de todos nós.



Obrigada pela entrevista, prof. José Luis.


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O prof. Dr. José Luis de Paula Barros Silva é graduado em Química, mestre em Física e doutor em Química. Todos os títulos foram obtidos na Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professor do Instituto de Química da UFBA e professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, UFBA/UEFS.


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