Entrevista com o prof. Dr. Attico Chassot
Chassot, o livro que o torna ainda mais famoso, o Alfabetização Científica, teve uma grande repercussão na área de Ensino de Ciências. Nessa entrevista, não gostaria de falar muito sobre ele, pois muito já se falou, mas gostaria de saber se você tem percebido que suas idéias foram bem entendidas e aplicadas nas escolas e por professores de todos os cantos do Brasil por onde você já andou e anda?
Muito querida Alcione, preliminarmente devo fazer duas menções: a primeira, a alegria de estar participando desta entrevista no teu blogue. Neste espaço se faz a tese que tenho defendido: ‘Uma maneira pós-moderna de se fazer Educação à distância de maneira não formal’. É preciso nos darmos conta do quanto com blogues podemos usufruir de uma rapidação na difusão do conhecimento... um livro chega a levar dois anos entre o tempo de entrega a uma Editora e seu ‘vir a lume’. Num blogue, o que produzimos hoje, é lido hoje. E mais: esses escritos são menos efêmeros que se imagina. Não raro, meses depois de postado um assunto, estamos recebendo retornos ao mesmo. Lamento apenas que nossos leitores não têm o hábito comentar os escritos. Menos de 10% dos leitores que visitam meu blogue deixam comentários. A segunda, dizer de minha surpresa em saber que é o “Alfabetização Científica: questões e desafios para a educação” que me torna mais famoso. Este livro teve quatro edições, são cerca de 8 mil exemplares. O “A ciência através dos tempos” já teve 19 edições, com quase 80 mil exemplares. Para mim o “Alfabetização científica: questões e desafios para a educação” é o mais querido dentre os oito livros solo que escrevi – estou incluindo aqui os dois esgotados: ‘A Educação no ensino de Química’ e ‘Catalisando transformações na Educação’ e excluindo os dois livros que organizei e os vários onde tenho capítulos – talvez porque os direitos autorais de suas quatro edições são do Setor de Educação do MST. Isso para mim é algo muito grato. Talvez já tenha havido que o deixasse de comprar por isso. Mas talvez ele também tenha sido muito divulgado por isso.
Posta essa extensa preliminar a tentativa de resposta a tua pergunta: "mas gostaria de saber se você tem percebido que suas idéias foram bem entendidas e aplicadas nas escolas e por professores de todos os cantos do Brasil por onde você já andou e anda?". Presunçosamente vou responder que sim. Recebo muitos retornos de professoras e professores que o usam e mais, o fazem objeto de dissertações. Há até uma comunidade no Orkut de leitores do “Alfabetização Científica: questões e desafios para a educação” e isso é muito gratificante Talvez a tese mais relevante que trago no livro é o quanto devamos estar atento aos currículos ilegais que nos são impostos e também do quanto se pode usar os saberes primevos ou os chamados saberes populares para fazer deles saberes escolares. Outro mérito do texto é que não o escrevo para meus pares da Academia. Eles sabem os assuntos, acerca dos quais me atrevo a dissertar, melhor que eu. Escrevo para aqueles e aquelas que necessariamente não fazem mestrado ou doutorado. E o melhor, eles gostam do livro porque eles o entendem. Acredito que sei falar uma linguagem exotérica (aberta, do domínio de muitos...) e não uma esotérica (hermética, fechada, acessível a poucos). Por isso acredito que possa responder sim a tua interrogação, mesmo que não tenha a preocupação de formar escola, mesmo que muitas vezes tenho alunas e alunos e mesmo leitores que não conheço pessoalmente que se dizem ‘chassotianos na maneira de fazer Educação!’ mas isso parece exagero, mas massageia o ego.
Além desse livro, existem outros em que você trata de assuntos polêmicos como o "Educação conSciência", em que aborda bruxaria, demonologia, inquisição. Como isso é visto pela instituição em que você trabalha, que tem um fundo religioso forte, e por seus leitores mais religiosos?
O “Educação conSciência” foi escrito em 2002, enquanto fiz pós doutoramento na Espanha. Lá os temas que tu citas são fortes e eu soube me aproveitar de ter acesso a bibliotecas onde abunda literatura sobre o tema. Ele foi publicado enquanto eu era professor da UNISINOS, uma instituição jesuítica, que nunca pôs qualquer restrição. Aliás, a editora da UNISINOS publicou o “A Ciência é masculina? É sim, senhora!” já com três edições que é muito mais ácido com as religiões. Minha atual instituição também é confessional – Centro Universitário Metodista IPA – e nela minhas falas não precisaram mudar o tom. Meus livros têm sido impiedosos com as religiões. Olha a frase capitular do “A ciência através dos tempos”: ‘Admira, meu filho a sabedoria divina que fez o rio passar perto da grande cidade!’. Esse livro antes do Concílio Vaticano II (1962-65) estaria no ‘Index librorum prohibitorum’. Claro que essas posturas ‘atrapalham’ os mais religiosos, ou melhor, os mais fundamentalistas. O “Alfabetização científica: questões e desafios para a educação” tem um capítulo sobre islamismo que tem cada vez maior atualidade.
Você está lançando um novo livro agora, não é? Poderia falar um pouco sobre ele?
“Sete escritos sobre Educação e Ciências” é, talvez, o mais original e também o mais reflexivo dos meus seis livros que estão em circulação. Ele faz tessituras com interrogantes que instigam à leitora ou ao leitor a uma parceria intelectual. É salutar nos associarmos, nesta brecha formada por um intervalo finito – e que parece cada vez mais estreito – entre um passado revoluto e um futuro quase imprevisível. É nesse espaço quase exíguo que cada um faz história nessa aurora trimilenar. Assim, parece importante procurar entender como se deu/dá/dará a construção do conhecimento; propor um ensino das Ciências com dimensões ambientais; ao afirmar que o senso comum possa ter bom senso, se retorna ao polemizar, tão ausente nas salas de aula; com a História da Ciência mirar acontecimentos que, mesmo irrelevantes, foram cruciais para entendermos como homens e mulheres fazem história; envolver-se em discussões quase bizantinas como batizar ou não batizar robôs; inteirar-se de um tema polêmico: a vingança da tecnologia, sonegado nas salas de aula; e experenciar uma prática de pesquisa onde estudantes se fazem pesquisadores de saberes populares. Ele tem ao lado dos sete capítulos que estão antes sinalizados pelo menos três originalidades: A primeira é um hebdomadário. É resultado do número quase cabalístico de capítulos de ‘Sete escritos sobre educação e ciência’, e também de uma de minhas continuadas interrogações acerca dos nomes dos dias da semana e a sua associação com esse místico número sete. Mesmo que não imagine que cada capítulo ocupará o leitor em um determinado dia da semana, por um artifício muito pessoal, cada capítulo tem como frontispício um texto envolvendo cada um dos sete dias de semana. Assim, abertura reúno algumas divagações acerca dos nomes dos dias sem que isso tenha qualquer relação com o livro, salvo tratar-se de algo acerca de como se deu mais uma das muitas construções culturais dos humanos e parece se constituir num recurso para aprendermos a pensar. Como o mítico sete está na história mais remota dos humanos, particularmente no nosso fazer já antanho de dividir o tempo em semanas e, ainda hoje - exceção feita ao português - a associar cada dia da semana a uma divindade, a mitologia está fortemente presente em cada uma das sete aberturas. A primeira delas é antecedida de um texto mais extenso - digamos que se trata do prefácio das aberturas - onde não só evidencio a presença do sete na mitologia, e nas religiões, mas também no nosso cotidiano. As duas outras, estão na dimensão da bibliografia, esta sempre tão significativa, para nos remeter aqueles e aquelas aos quais nos abeberamos das idéias para tecer nossos textos; os dois acessórios à bibliografia são a Sofiapédia e a Alexandríola.
A Alexandríola – diminutivo carinhoso de Alexandria – é formada por microrresenhas de alguns dos livros citados ao correr dos capítulos, que aparecerão com a indicação de ‘um livro aberto’ sempre que forem referidos. Acredita-se que os livros destacados para a Alexandríola merecem mais que uma simples citação na bibliografia e por isso ganham essa expansão nas informações sobre os mesmos. Esta sessão quer, pretensiosamente, atiçar a cada uma e cada um para ampliar leituras. E aqui já um aperitivo: mesmo sendo este um livro de não ficção, na sessão que aqui se preliba, as obras ficcionais também estarão muito presentes, até porque elas são as grandes facilitadoras em nosso processo de construção do conhecimento, especialmente no nosso continuado aprendizado na arte das escrituras. Há ainda, nesta biblioteca, uma ilha ou uma pequena videoteca, onde aparecem informações de alguns vídeos, que no texto aparecem com sinal >; ali o leitor além de encontrar uma pequena ficha técnica do filme, encontra sugestão do uso em sala de aula. Sonhadoramente imagino que o leitor que adentrar nessa Alexandríola viverá sensações de deleite por estar em uma biblioteca. Relevem minha pretensão. Tenho um colega muito amigo, assíduo à biblioteca que se refere a essas suas visitações como “vou tomar a minha cachacinha”. Eu devo confessar, antecipando que nisso já tive adesão de outros, que mesmo que prelibe o ir à biblioteca, quando lá estou por muito tempo, me assalta, com freqüência, uma sensação de culpa, pois parece que devia estar em minha sala trabalhando. É como se a biblioteca fosse local de fruição de prazeres indevidos em expediente de trabalho.
Sofiapédia é uma sessão ao final do livro a qual leitoras e leitores serão convidados quando, ao correr da leitura, surgirem tópicos que não comportam uma nota de pé de página ou um parêntese explicativo; estes trarão o assinalamento de um par de óculo: numa homenagem à Thomas Kuhn de quem aprendi a metáfora do uso de óculos como os diferentes artefatos culturais (Ciência, Religiões, Mito, Saberes Primevos, Senso comum, Pensamento mágico...) que usamos para ver o mundo natural. O assunto que tiver indicado um óculo será encontrado na Sofiapédia em um verbete especial, em ordem alfabética. Gostaria de dizer que, ao trazer acepções de algumas palavras, não quero menosprezar a inteligência do leitor e muito menos admitir que hoje possamos fazer uma escrita ou uma leitura sem a companhia permanente de um bom dicionário. Posso supor apenas que eu tenha mais a mão algum recurso usualmente não disponível no momento que se está fazendo a leitura, até porque esse livro não é para ser um e-book. Na abertura da Sofiapédia – tópicos amealhados se constituem em um conjunto de saberes (Sofia) para fazer educação (pedia) – faço uma homenagem àquela que sempre é referência quando evocamos a uma produção coletiva do conhecimento: a enciclopédia francesa.
O blog Ensino de Química é, principalmente, voltado aos professores, de todos os níveis de ensino. Como você vê a atuação dos professores, principalmente com relação à abordagem da história da Química e da evolução dos conceitos químicos?
Acredito que o teu blogue baiano, como aqueles do Emiliano (de Caxias do Sul), da Cristiana (do Rio de Janeiro), da Thaiza (de Goiânia) fazem uma importante alfabetização científica. Aqui uma nota de rodapé: quando cito as origens territoriais dou-me conta da globalização da internet, pois aonde estão os blogueiros não interessa. Professoras e professores hoje precisam cada vez mais de fontes como esta que vocês oferecem. Lamentavelmente a História e Filosofia da Ciência ainda está distante destas preocupações. Tenho no meu blogue falado um pouco disso. Assim, não foi sem orgulho para quem escreve a cada dia faz a postagem de pelo menos um lauda, ler que o Moises Alves de Oliveira, que foi meu orientando de doutorado, tem incentivado seus alunos de mestrado e de especialização da UEL de Londrina a visitar o meu blogue. Fiquei muito feliz e vejo minha responsabilidade aumentada.
Sei que você não quis se aposentar quando chegou a hora. Poderia estar se dedicando mais a outros aspectos da sua vida, mas continua dando aulas e viajando por todo o Brasil para ministrar cursos e palestras. O que te motiva?
Estou no meu 48º ano de magistério. Cada ano parece ser o primeiro. A sala de aula me faz bem. Além das aulas na pós-graduação, tenho duas noites de aulas (19h10min às 22h50min) na graduação para quase 200 alunos. Isso não é trivial. As palestras me gratificam ainda mais. Hoje tenho recusado muitos convites por falta de lugar na agenda. Tenho varado noite em ônibus para dar palestras. Numa semana deste maio que recém terminou, fiz mais de 1800 km em ônibus; isso me rejuvenesce. Tu podes imaginar que não faço isso por dinheiro. Dôo a metade de meus honorários em livros à instituição que me convida.
O que você tem a dizer aos professores que, por muitas razões, estão tão desmotivados em suas salas de aula?
Diria que vale a pena encantar alunas e alunos com a Ciência. Mostrar o quanto por sermos mais bem alfabetizado cientificamente poderemos contribuir para que as transformações que ocorrem no Planeta sejam para que se tenha uma vida com mais qualidade. Alcione, vale considerar que aquelas e aqueles educadores que são teus leitores de per si – releva, mas essa locução prepositiva foi escolhida para dar um tom acadêmico à entrevista que se encerra – são privilegiados. Tenho afirmado de modo continuado, aderindo a Zigmunt Bauman, que hoje o que distingue os pobres – pessoas ou pessoas ou países – dos ricos não é só que os pobres possuem menos bens, mas é fato de que a grande maioria deles está excluída da criação e dos benefícios do saber científico. Nós, que nos envolvemos com Educação, é que devemos ajudar a disseminar o saber científico. Lamentavelmente, nós mesmos fazemos exclusões! Como? Mais de uma vez disse em minhas falas: “Aqueles de vocês que desejarem as lâminas dessa apresentação, podem recebê-la se me enviarem um correio eletrônico que eu as envio!”. Não digo para me mandarem uma carta que vou tirar uma cópia e envio por correio postal. Hoje aqueles e aquelas que não têm um arroba no endereço são excluídos. Temos que pensar em apoiar também os pertencentes ao MS@ – Movimento dos Sem Arroba no endereço –, ou mais fazer com que estes, por ascenderem ao status de incluídos, possam ter acesso aos benefícios da tecnologia. Tenho dito que ‘não adianta espiar esse novo mundo pós-moderno que está aí, mas sim adentrar nele’ e a recente definição do governo da República de equipar todas as Escolas urbanas de conexão à internet por banda larga, será um facilitador para que se diminua o número de abrigados ao MS@. Tomara que muito breve um número cada vez maior de educadoras e educadores possam ler blogues de qualidade como o Ensino de Química. Estaremos então fazendo alfabetização científica à distância com diminuição dos excluídos digitalmente.
Obrigada pela entrevista, prof. Chassot.
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O prof. Dr. Attico Inacio Chassot é Licenciado em Química pela UFRGS, tem Mestrado (UFRGS), Doutorado (UFRGS) e Pós-doutorado (Universidad Complutense de Madrid) em Educação. Atualmente leciona no Centro Universitário Metodista de Porto Alegre.
2 comentários:
Oie, adorei a entrevista, parabéns, :)
Bjs
Ficou muito boa a entrevista.
Show de bola!!!
Beijo
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